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Breve resumo da seita católica Sodalitium Christianae Vitae, recentemente dissolvida pelo Papa

  • tipo de blog / Blog de membros
  • Data / 31 de Janeiro de 2025
  • By / Colaboradora

Adrián Núñez é membro da Associação Peruana de Ateus.


 

Em 1971, dois jovens conhecidos em alguns grupos católicos por terem recrutado jovens para se juntarem ao grupo fascista “Unión Revolucionaria” em algumas escolas italianas e alemãs em Lima, fundaram o agora dissolvido “Sodalicio de Vida Cristiana”. Esses dois homens eram Luis Fernando Figari e Sergio Tapia. Também participavam com eles o padre Gerald Haby, que promoveu uma iniciativa dos marianistas dos anos sessenta: “Sodalidade da Virgem Maria”, e Germán Doig, sobre quem escreverei mais tarde. Tenho que omitir muitos nomes de ex-membros do Sodalício que corajosamente denunciaram os fatos, bem como abusadores e criminosos contratados por esta seita. Nem mencionarei todos os atos criminosos que foram cometidos neste caso, porque este texto se tornaria vários livros.

Germán Doig (esquerda) e Luis Fernando Figari (direita)

Em 1977, Figari, que criou um culto à personalidade em torno de si, assumiu o controle total da seita. Perto do final da década, com a administração econômica do padre Jaime Baertl, a organização começou a ganhar poder (estima-se que o Sodalício e todas as suas empresas afiliadas e grupos religiosos, em seu auge, atingiram um bilhão de dólares). Durante esses anos, eles receberam a doação de um pedaço de terra no sul de Lima, que foi convertido por Baertl em um cemitério privado que não pagava impostos (curiosidades da religião). Naquela época, eles começaram a ser conhecidos em Roma, e Figari começou a ser visto pelos conservadores como uma figura que efetivamente se opunha à teologia da libertação.

Os Sodalitas se consolidaram na década de 1980 como um grupo católico elitista e sectário que recrutava adolescentes em algumas escolas particulares. Lembro que no final dos anos oitenta eles vieram à minha sala de aula para nos oferecer a chance de ir a um retiro religioso que chamavam de “Convivio”. Eu era o ateu da turma e, por isso, fui poupado de ter que passar por essa experiência desagradável. Mas a maioria deles foi, e lembro que por um ou dois dias, todos se comportaram de uma forma boba e estranha, como se tivessem sofrido lavagem cerebral. Mas foi apenas uma coisa momentânea, e nenhum dos meus colegas foi sugado para o culto.

A organização cresceu muito rapidamente de 1980 a 2000, mas pouco se sabia do lado de fora sobre o que estava acontecendo lá dentro. Eles aproveitaram, com muito poucos escrúpulos, os privilégios oferecidos por ser uma organização religiosa, como a Concordata entre o Peru e o Vaticano, que lhes permitiu pagar menos impostos (conseguindo assim uma concorrência desleal em seus negócios, especialmente no mercado imobiliário), a imagem de santidade que seu status religioso lhes dava e sua proximidade com pessoas com poder político em diferentes regiões do Peru (especialmente em Lima e Piura). Em 2001, Germán Doig morreu e, devido à grande proximidade entre João Paulo II e o Sodalício, o processo para sua beatificação começou. Mas isso foi interrompido alguns anos depois porque surgiram as primeiras denúncias de abuso sexual perpetrado por Doig contra jovens membros de sua instituição. Estas foram seguidas por alegações de pederastia contra outros membros da seita que eram próximos de Figari e, em 2011, as primeiras alegações contra o próprio Figari foram tornadas públicas.

Essas alegações poderiam não ter aparecido se não fosse o fato de que em 2000 o jornalista e ex-sodalício José Enrique Escardó escreveu várias colunas na revista “Gente” (Pessoas) nas quais denunciava uma série de abusos físicos e psicológicos de jovens e adolescentes nas casas do Sodalício. Em 2001, um noticiário no “Canal N” (um canal a cabo com grande audiência e prestígio na época, em parte porque havia transmitido recentemente um vídeo de um ato de corrupção que pôs fim à ditadura de Fujimori) fez uma reportagem sobre os abusos no Sodalício, seguida de uma entrevista no set com José Enrique Escardó (na qual ele narrou alguns dos abusos que sofreu dentro da seita) e, finalmente, de uma entrevista com o psicoterapeuta Jorge Bruce, que, sem conhecer os casos de abuso sexual (porque naquela época não havia acusações públicas), previu que deveria haver abuso sexual lá dentro porque as características da seita correspondiam ao padrão.

Por esses meios, começamos a aprender sobre alguns dos atos que foram cometidos contra os jovens membros: eles foram impedidos de estudar, foram escravizados, foram torturados, foram tirados de suas famílias (as cartas que eles trocavam desapareceram para fazê-los acreditar que não eram mais amados). A reação da Igreja Católica e das autoridades foi inexistente.

José Enrique Escardó durante palestra organizada pela Associação Peruana de Ateus com o apoio da Humanists International (2024).

Em 2013, fiz parte de uma comissão da Associação Peruana de Ateus para a criação de um registro fílmico de especial interesse para a incipiente comunidade ateísta que se formava naqueles anos. Lá, entrevistamos Héctor Guillén, vítima da seita, não porque pertencesse a ela, mas porque ela havia levado seu filho. Foi durante essa entrevista que realmente me lembro de ter tomado consciência de quão destrutiva e perigosa ela era (https://youtu.be/YXRpHGyhbzI). Pelas reações a este vídeo nas nossas redes sociais, pudemos perceber que o caso Sodalitium ainda era desconhecido para a maioria.

No final de 2015, os jornalistas Pedro Salinas e Paola Ugaz publicaram o livro “Mitad monjes, mitad soldados” (Meio monges, meio soldados), que expôs alguns dos abusos cometidos dentro da seita. Este livro foi um sucesso instantâneo e, graças a ele, vários ex-membros do Sodalício foram encorajados a contar a esses jornalistas suas histórias de terror vividas lá dentro. Esses dois jornalistas continuaram pesquisando e escrevendo ao longo dos anos. Não é possível nem desejável tentar resumir neste artigo tudo o que foi encontrado. Menciono apenas que esses dois jornalistas, desde então, vêm sofrendo uma brutal perseguição legal por parte de pessoas ligadas ao Sodalício, embora neguem isso cinicamente.

José Enrique Escardó, Paola Ugaz e Pedro Salinas.

Como resultado do que foi exposto em 2015, o Ministério Público iniciou uma investigação. Em 2016, cinco ex-membros do Sodalício apresentaram uma queixa contra Figari e outros por associação ilícita para cometer um crime, sequestro e ferimentos graves (mas os processos não avançaram significativamente e, alguns anos depois, soubemos que o Ministério Público Estadual foi infiltrado por pessoas próximas ao Sodalício).

Pedro Salinas entrevistado em nosso podcast (2022)

Durante esses anos, a Igreja agiu de forma errática e lenta, mas em 20 de janeiro, soubemos por meio de uma comunicação do próprio Sodalício que eles foram dissolvidos por decisão papal.

Este foi um momento de celebração, especialmente para todas as pessoas e instituições que têm feito o que podemos para tornar conhecida a verdade sobre esta seita destrutiva que nasceu no Peru e se espalhou para outros países, como Brasil, Colômbia e Chile. Além disso, este evento tem valor simbólico, porque é a primeira vez que o Papa dissolve uma organização religiosa por casos de abuso, e também porque a resolução foi assinada por uma mulher, Simona Brambilla, a primeira mulher a chefiar um dicastério. Isto é significativo porque muitas mulheres viveram o inferno na seção feminina desta organização, como descrito pela chilena Camila Bustamante em seu livro Siervas (Servas). Mas todos sabemos que esta celebração é apenas momentânea porque ainda há um longo caminho a percorrer antes que a justiça seja feita. Para dar um exemplo, 36 propriedades do Sodalício (entre elas, nove cemitérios) foram transferidas como um fundo em 2020 para uma empresa que era na época propriedade do atual prefeito de Lima, um personagem entre obscuro e inepto da direita religiosa local, que aspira ser presidente do Peru. Eles têm mecanismos para evitar quaisquer reparações significativas às vítimas, e muito provavelmente os usarão. Continuaremos pressionando.


Foto do cabeçalho por Anyela Málaga em Pexels.

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